Desde que me lembro ser gente sempre tive cães. O primeiro foi mesmo um imperial pastor alemão, o Roni. Mas sei que antes dele ouve outro, também da mesma raça, chamado Fritz.
O Roni acompanhou-me durante toda a infância e parte da adolescência. Vivia agrilhoado no jardim, com raiva de tudo e todos menos dos seus donos. Dedicava especial ódio ao carteiro. E rezam as lendas lá de casa que certo dia um bêbado terá apontado o dedo a alguém do burgo e o resultado foi… um dedo a menos! O Roni era um cão tão forte que era capaz de arrastar a casota de cimento onde dormia durante vários metros; e a coleira estranguladora chegava mesmo a enterrar-se na carne. Fazia tudo para proteger a casa e os seus donos. Outra das lendas caseiras é que quando fui hospitalizado o pobre do animal deixou de comer. O Roni morreu numa noite de Natal sem aviso que não o da velhice. E quando partiu deixou um vazio.
Seguiu-se depois o Fritz, um pastor alemão que acho que falava mais belga. Viveu muitos anos mas a memória que me deixou foi pouca.
Esta é a minha viagem ao mundo dos cães, dos meus cães.
Também me recordo de vários miniaturas que a minha mãe foi coleccionando ao longo dos anos, invariavelmente caprichosos e todos eles com uma gracinhas para animar os convidados. Nada de relevante, portanto.
O meu primeiro cão foi afinal… uma cadela, a Vodka. Uma rafeira preta como o carvão que me foi dada no distante ano de 1991, andava eu na Universidade do Algarve. Durante um ano acompanhava o meu percurso diário até à porta da sala de aula, orgulhosamente ostentando um lenço azul com cornucópias que fazia a vez de uma coleira. O nome dela esteve ligado com a sua primeira noite em minha casa, lá para os lados da Ilha de Faro. Como o ganir da primeira noite não cessava optei por adicionar umas gotas de vodka à ração e foi remédio santo.
Mas a minha vida mudou em definitivo quando, há cerca de seis anos, a Maria entrou lá em casa. Patuda, orelhuda, com um olhar triste que é próprio da raça. É a fêmea que há mais anos me atura de forma consecutiva. Nunca resmunga e está sempre disposta para brincar; para me dar as boas-vindas com o seu boneco de peluche na boca; para me aquecer nas noites solitárias de Inverno. A Maria não cobra ou, melhor, o que ela cobra é insignificante para aquilo que ela me dá. E sempre que ficamos afastados um do outro por vários dias, sinto falta de enfiar o meu nariz perto das suas orelhas e inspirar aquele cheiro que é tão característico dos bassets.
Alguém disse que quem nunca teve um cão não pode saber o significado da verdadeira amizade. É um facto, a Maria é a minha melhor amiga. Triste ter como melhor amigo um cão? Só quem nunca teve um poderá dizer tal coisa. Longe das americanices do “Marley e eu”, recordo-me sempre de um pequeno livro de Manuel Alegre, “Cão como nós”. E é isso… a Maria… é um cão como eu!